Ela
está em seu quarto fazendo crochê e é domingo, e o crochê é qualquer coisa para
desocupar as mãos, porque a cabeça, essa continua ocupada. Mas os filhos pensam
que ela está bem, porque ela está quietinha, e a deixam em paz e é melhor
assim.
Por
que o domingo é péssimo? – ela se perguntava sempre. Até que descobriu.
Primeiro: a programação da televisão. Nos dias da semana sempre tem um vale a
pena ver de novo que come um bom pedaço da tarde. Depois vem uma sessão da
tarde que às vezes até dá para assistir, pensando bem, desde que não seja um K9
da vida – ô filme chato – ela até que assiste todos, e lá vai um outro bom pedaço da tarde. Aí é
cuidar da janta, deixar tudo sobre o fogão, a turma vai esquentando quando
chega, e alimentados os cachorros e o gato, ela fica à vontade para se afundar
de novo na televisão, de onde vai perguntando para os que chegam: – tudo
bem? – quer que eu faça outra coisa? –
quer que eu esquente? Todos respondem que não, todos a deixam em paz. Ou querem
ficar em paz longe dela, mais provável isso.
Mas
no domingo não. No domingo ficam todos pela casa, e a casa que é só dela, dos
cachorros e do gato, vira casa de todos, e a casa não é tão grande assim.
É
verdade que ela ama a todos, não saberia nem viver sem eles, mas é verdade
também que ela sente uma sensação maravilhosa de alívio nas segundas, nas
terças, na semana enfim, quando todos partem. Nem se incomoda de catar do chão
calças e calcinhas, adora lavar roupas, mexer com água, o cheirinho do
amaciante, lavar quintal, molhar plantas, limpar a casa, escolher a limpeza
central do dia, tudo cronometrado para não perder o vale a pena ver de novo,
que ela realmente está vendo de novo, embora não esteja valendo tanto a pena
assim.
Então
aí vem o segundo item do porque o domingo é péssimo. Porque ficam todos em
casa, e a casa não é tão grande assim, e a vida não é tão resolvida assim, e
todos se esbarram em todos meio sem assunto ou mal humorados talvez pelo mesmo
motivo que o dela, mas de outra forma. Ela não sabe o que fazer longe da
televisão, eles não sabem o que fazer longe dos escritórios. E nem a chegada da noite acalenta, porque
ninguém aguenta a televisão de domingo.
Daí
o crochê, que cresce que é uma maravilha, e ninguém nem repara que ela faz e
refaz coisas diferentes usando o mesmo fio.
Nos
entrelaços ela fica falando com Nossa Senhora: – Sabe, Mãezinha, desculpa aí,
mas até eu sabia dar um jeito na minha vida se estivesse no teu lugar, e nem
era coisa de dinheiro, nada disso. Bastava um... bastava passar alguém e convidar
para um passeio, mas nada de shopping onde há coisas que ela não vai comprar. E
também nada de mulher, porque ela não tem paciência pra conversa de mulher.
–
Minha santinha, um carinha... Que cara? Sei lá, minha mãezinha, isso a senhora
vê aí com teu filho, ué...
Mas
um cara tipo especial. Não aquele besta.
Seis
meses atrás. Ela tinha ido visitar um amigo antigo, havia um algo entre eles.
Ela tinha até levado uma muda de roupa na bolsa, de repente poderia pernoitar,
o pessoal de casa nem faria perguntas, até gostariam de se livrar de sua
incômoda presença. A verdade é que eles se preocupavam com a mãe, mas não
sabiam como lidar com ela, e um ficava acusando o outro de não levar a mãe pra
nenhum passeio, arrancá-la daquela maldita televisão, então... se ela arrumasse
um carinha, seria bom...E ela tinha certeza de que era assim mesmo que todos
pensavam.
Chegou
lá, conversa vai, conversa vem, coisa e tal, a iniciativa foi dela. Estavam os
dois de pé, bem próximos, na sala de estar, e ela segurou o rosto dele com as
mãos e tascou um selinho, levinho, levinho mesmo. Mas não é que o idiota
começou a fungar e se esfregar nela, e já a empurrando para o sofá? Ela achou
aquilo grosseiro demais, e disse a ele, afinal, tinham amizade: – Cara, beijo
não é isso, porra! E se esquivou, e abreviou a visita, só vim mesmo dar um
salve, e até.
Se
ele tivesse tido mais tato, mais paciência, dado outro selinho, e um carinho
daqui e outro dali, claro, ela que não era nenhuma freira e nenhuma virgem,
iria para a cama sim. Se ele pelo menos tivesse lido o Cântico, ou até mesmo o
Dom Casmurro do Machado: – “A sua mão esquerda estaria debaixo de minha cabeça,
e a direita me abraçaria...”.
Merda
pra ele. Não me comeu. Na certa se masturbou quando eu saí, o idiota, idiota
duas vezes: se masturbando nessa idade, e não sabendo, ainda, lidar com uma
mulher. Perdeu.
Daí
a conversa com Nossa Senhora. Um carinha, Mãe do Céu...
Ele chegaria num
domingo e a convidaria para um passeio de carro. Praia, isso, praia! No caminho
ele não colocaria a mão na perna dela. Mas perguntaria bobagens do tipo se ela
já tinha sido mordida por algum cachorro, é que passava um carro levando um
cachorrão, se ela gostava mais de sorvete de morango que de creme, é que
passava um cartaz na rodovia, e boa idéia, vamos campear um sorvete? E pararia
numa birosca qualquer da estrada, sorvete necas, mas voltava com refrigereco,
como é que você adivinhou, eu simplesmente amo refrigereco. E ele explicaria
sabe, os grandes fabricantes de refrigerante patenteiam diversas marcas, para
não perderem nenhuma opção, mas a lei os obriga a lançar nem que seja um único
lote numa única cidade do país. Pura água com açúcar. Ela sabia isso, mas faria
que não, homem gosta de sentir que está ensinando, e pediria outro, que
delícia! Um refrigereco geladinho na beira da estrada, pensando bem, o sabor é
justamente a beira da estrada, o caminho da praia, e conversando sobre isso ou
outra bobagem qualquer eles chegavam.
Nada de mãos dadas,
mão dada sua, e é chato. No caminho pela arrebentação ele catava do chão uma
vara, e fazia que escrevia coisas que quando ela ia tentar ler ele apagava, ou
a onda apagava. Ela pegava a vara da mão
dele e fazia estrelinhas e luinhas, na verdade era só isso mesmo que ela sabia
desenhar, e vamos comer uns camarõezinhos fritos? Que ele trazia num repente na
mesinha dizendo pena aqui não ter refrigereco, e trazia lá o refrigerante da
marca, geladinho. Bommm!...
E a conversa
seguia sempre nesse padrão de bobagens, ora estavam falando de comercial antigo
de televisão, assunto que ela domina bem, ora das bundas das menininhas, dói demais
arrancar pelos?, ele perguntava, sei lá, nunca arranquei diria ela, nunca? Nem pra casar? É mesmo, ela até teria se esquecido disso,
casamento, lua de mel, maridinho novo, aí largou de arrancar, passou a usar o
aparelho descartável dele, até que ele fez o favor de passar dessa para uma
melhor, melhor para ela, claro, e ela passou a usar o dos meninos.
Sente saudades
dele?, ele perguntaria, nunca nunquinha, jura? Nem do?... faria ele com um
sorriso maroto, e ela perdoava, afinal, homem sempre acha um jeito de introduzir sexo na conversa senão não seria
homem. – Principalmente, ela responderia. – Sentir falta daqueles três minutos?
– Três, só três? e ele riria
gostosamente, e pararia por aí, e passaria
a falar de sua recente viagem a
Salvador, assim, do nada, isso é que é bom. E ela ouve, ouve, ouve, e
interessada de fato, porque tem loucura pra conhecer Salvador, comidas, igrejas,
terreiro, candomblé, aquela patuazada toda.
– Pô... me leva da próxima vez que você for...– Sério,
você iria? – E não?! E essa seria a deixa para o rosto com rosto, o carinho, o
abraço e o que viesse. Pensando bem, não precisa ler o Cântico pra saber disso,
precisa só... precisa só saber.
E voltariam. E
na volta ele colocaria a mão não na perna dela, mas na mão dela que estaria
sobre a perna dela e diria: – Meninaaa!!!
Tava bom toda vida não tava não, vamos repetir a dose?
Ela
saberia que no meio desse vamos repetir a dose sempre haveria uma incômoda
depilação e uma cama cansada, e que se não fossem três minutos seriam seis e
com tendência a cair pra quatro, mas mesmo assim concordava, e de boa.
–
Ô!