para colocar seus bichinhos e as fotinhos dos seus filhotes

Ela era faxineira noturna, num escritório enjoado. Não sabia o porquê dessa idéia que lhe vinha à cabeça, escritório enjoado, ou sabia sim, era por conta das funcionárias enjoadas que sempre mandavam recadinho. – Tinha pó na minha mesa ontem. – Aquele banheiro está um nojo!...

Cretinas. Nenhuma delas teria dinheiro pra ter empregada em suas casas, fácil ficar dando ordens para os empregados dos outros.

Quem falava assim não era ela não, era dona Myrtha, Myrtha com ypicilone e com agá, tá meninas? Era a chefe das faxineiras, bacaninha ela. Não ligava pra nada não. Tudo o que queria era ficar em paz tomando o seu querozene, era assim que ela chamava a sua pinga. Querozene. Ela achava engraçado. Enquanto todas tiravam das bolsinhas danoninho, suquinho, garrafa térmica com café, dona Myrtha tirava uma garrafa de goró. E ficava de boa, bebendo, lendo jornal, e de olho na sua televisãozinha.

Elas chegavam e trabalhavam rápido, era um acordo entre elas. Limpeza de escritório é baba. Era só tirar o pozinho das mesas das chatas, nas dos rapazes só passar um pano apressado, elas sabiam de quem era a mesa de quem, até porque mesa de enjoada sempre tem fotinhos de crianças chatas, e bichinhos, e fofurices. Mesa de homem só tem bagunça, e nas gavetas, revista de mulher pelada. E depois, era jogar litros e litros de desinfetantes nas privadas, porque as enjoadas só queriam isso mesmo, sentir o cheirinho de limpeza as bobas, e não seriam elas que iriam ficar enfiando as mãos nos vasos pra limpar de verdade.

Um capricho melhor no banheiro da secretária, o que tinha uma poltroninha. Todas sabiam a serventia da poltroninha, era ali que ela dava pro chefe, pessoal, eu deixo uma poltroninha aqui para colocar minhas bolsas e coisas, ok? Era a copeira que contava antes de ir embora. Pois sim. Ali o amorzinho rolava solto. E um capricho maior na sala do chefe, que tinha um tapetão fofo onde o amorzinho também rolava, e uma mesa com tampo de vidro sem nenhum papel em cima, porque o chefe não fazia nada, só fazia em cima da secretária, e a julgar pela cara de nojo da secretária, não devia fazer lá muito bem não.

Feito isso elas tinham tempo de sobra pra não fazer nada. Fumavam. Batiam papo encostadas na parede sentadas no carpete. Liam horóscopo, revistas de novela, discutiam novela, vidas de artistas e big brother. Faziam cruzadinhas enquanto papeavam. Umas dormiam, sono solto, e tinha até quem puxasse um fuminho. Dona Myrtha só não queria que deixassem cheiro. Então era um tal de descascar mexerica pra tirar o cheiro do bagulho, mas depois ficava o cheiro da mexerica que elas tiravam com Bom Ar. E ficava aquele cheiro bom de bagulho com mexerica e flores do campo por todo o escritório.

Tinha uma lá que fazia faculdade de dia, pagava com o serviço da noite, ela ficava se perguntando quando que a coitadinha descansava. Foi ela que descobriu como ligar os computadores, aí foi só festa. Todas aprenderam a fazer MSN, Orkut, Face Book, tiravam fotos umas das outras no celular e iam fazendo a alegria. Muitas ficavam teclando com seus casos ou com outras colegas, filhos e parentes de outras cidades. Felicidade total.

Foi ela também, a universitária, que entrou no computador do chefe. Tinha lá um quadradinho amarelo, ela falou que chamava pasta, escrito: Relatórios de Diretoria. Abriu não deu outra, cheinho de fotos pornô. Coisa de arrepiar. Ela nunca que tinha visto aquilo. E foi uma gargalhada só, o mulherio não se aguentava. Chamaram a dona Myrtha. Dona Myrtha não era tão mais velha que as demais, tinha seus trinta e oito, mas ela achava que a chamavam de dona porque ela tinha aquele corpanzil de mulherona, panção, peitão. - Dona Myrtha, corre ver isso. Isso era uma mina caindo de boca num pimpão, dona Myrtha tinha ficado viúva bem mocinha. E as gozações choveram, lembra, dona Myrtha? Tinha esquecido né? Então, é assim que é o bilau! Ou no seu tempo era menorzinho?

Dona Myrtha riu tanto, mas tanto, que vieram lágrimas. Tanta lágrima, mas tanta lágrima, que de repente as meninas deram de suspeitar que já não eram lágrimas de riso, era choro mesmo. E ela então voltou pro seu goró, mas meio murchinha...

E assim terminava mais um dia, melhor dizendo, mais uma noite de trabalho. Na manhã seguinte chegariam o chefe, a comidinha dele, as demais enjoadas e os caras folgados, e o escritório na certa voltaria a ser chato.

Mas ela morria de vontade de arrumar um emprego assim, de usar roupa de modinha e não uniforme azul de limpeza, e ter sua mesa com computador e telefone, para colocar seus bichinhos e as fotinhos dos seus filhotes.