para ter muito que lhe contar



Dizem os estatísticos que tenho quase o dobro de minha vida atual pela frente, é tempo de sobra pra esperar – com folga – que um dia você volte. Cinquenta anos pra esperar você? Que presente, que bênção, que delícia de espera, quero viver pra crer. E se cada dia que termina é o tempo que se abrevia pra eu ver você chegar, de repente descobri uma alegria de viver que não sabia que tinha. Agora vem o mais importante: tenho muitíssimas coisas interessantes a fazer pelos próximos todos os anos de minha vida, para ter muito que lhe contar.

e que não teria coragem de usar essas duas peças nunca mais



Ela queria usar rosa, que era de longe sua cor favorita, mas não era mais uma jovenzinha para aparecer de Barbie, então ela acordou naquela segunda feira da semana do encontro pensando em comprar uma blusinha que fosse cor de rosa, mas que não fosse de garotinha. Felizmente a indústria da moda resolveu isso para ela antes mesmo de ela ter pensado, pois as araras das lojinhas de 19.99 transbordavam de blusinhas da tal da cor nude, que no seu tempo ela chamava de rosa desmaiado. Tinha lá uma de rendinhas discretas, que foi a que ela levou, pagando com uma nota de 20, claro, não recebeu o troco.

Já tinha consultado a previsão do tempo, seria um sábado mais pra cinzento, com alguma possibilidade de chuva, o que a remetia para o problema número dois: na sua única bolsa, que por sinal era rosa, não cabia uma sombrinha, urgia encontrar uma que fosse pequena o bastante para caber em sua pequena bolsa, e não existe lugar melhor para essas aventuras do que o bairro da Liberdade, para onde ela foi. Sem grandes dificuldades encontrou uma, minúscula, lindinha, por 36.50, na linda cor fúcsia, ou pink, exatamente a cor que ela adora, ela se permitia essas frescurices de mocinha, desde que ficassem ocultas, como uma sombrinha que talvez nem fosse usada, era só mesmo uma precaução; toda mulher mesmo a mais estreante sabe o estrago que a mais leve garoa faz com o cabelo.

E assim se passou tarde e manhã do primeiro dia.

A mesma previsão do tempo a levou para outro problema: se chovesse, sua rasteirinha não daria certo com o asfalto molhado, não existe nada mais desconfortável do que pés molhados, além de deselegante, sandálias na chuva, onde já se viu? Como alternativa ela tinha a sapatilha de verniz, meio esfolada na ponta mas que ninguém notaria, só que carecia de meias 3/4, e que fossem fumê, que fumê é mais elegante, o que também sabia que ninguém notaria, mas ela sim, e ela queria que tudo estivesse perfeito. Comprou dois pares. Como ela é muito curiosa, notou que a lojinha era uma espécie de confecção de lingeries, e ela lembrou de um problema, me diga, vocês fazem sutiã? É que minha volta – ela não lembrava da palavra tronco – é pequena, e meus seios são grandes, nunca acho um que me... a experiente vendedora disse: você é P de seios G, e já foi tirando um sutiã do saquinho, e colocando por cima da roupa dela, e ficou perfeito. Pagou 30 reais mais 5 pelas meias, no cartão, e resolveu um problema que nem estava na lista, e quando chegou em casa ficou mais encantada ainda, o sutiã perfeitamente ajustado diminuía em dois números suas medidas e a deixava bem mais magra sob a blusinha nude.

Tudo isso aconteceu na terça feira.

A previsão do tempo ainda era um problema, uma manhã cinzenta em São Paulo não é de se desprezar, aquela blusinha lhe parecia muito fininha para uma possível reviravolta do tempo, e ela sabia das consequências funestas para sua garganta, melhor deixar uma jaqueta preparada, e foi o tempo de lavar uma, a branca, a melhorzinha, com bastante amaciante pra ficar bem gostosinha, e torcer pra que secasse, porque o tempo já estava começando a ficar estranho. Graças a Deus secou tudo, e ela passou a ferro com todo o cuidado, pendurou e se sentiu satisfeita por ser prevenida, nunca se sabe. Lavou e passou também sua melhor jeans.

E assim se passou a tarde e a manhã da quarta feira.

Na quinta feira ela tinha um compromisso qualquer, e resolveu fazer um teste de maquiagem. Aquela, que só a gente sabe que fez, mas que as pessoas olham para a gente e dizem: como você está bonita! Levou uma hora, e foi bom porque percebeu que o arremate com sobra esbranquiçada no canto do olho, tão famoso entre a meninada, já não caía bem com a pele superfina de sua pálpebra madura, melhor explicando: a sombra sobre as rugas dava um belo craquelê. Melhor não arriscar, nada como um teste de maquiagem. Resolveu também que era melhor pegar leve no corretivo, porque corretivo demais dá o efeito contrário, chama a atenção para o problema. E assim ela foi ao compromisso, recebeu os devidos elogios e voltou para casa feliz, acho que resolvi bem o quesito maquiagem, pensou.

Na sexta feira ela fez uma super depilação, e acho melhor já ir explicando, porque assim você tem tempo de abandonar esta história antes de se decepcionar com o final, dependendo da sua expectativa: não, não era um encontro amoroso. Era um encontro onde ela queria dar o melhor de si, se preparar como uma noiva. Não deixei que ela percebesse, mas me emocionei com a explicação: “queria se preparar como uma noiva”... lindo, não? Mais lindo ainda é que ninguém saberia dessa preparação toda, somente ela mesma.

A depilação ela fez super cedo, antes que todos da casa acordassem, para poder ficar sossegada no banheiro. Na sequência fez as unhas e não é que ela tinha um esmalte chamado Nude, e que combinava direitinho com a blusinha? Teve todo o resto da manhã para comprar um batom rosa, um gloss, e colocar crédito no vale transporte, tudo ficou em 20 reais. À tarde ela teria o item mais importante da sua agenda: os cabelos, que ela queria lisos como de japonesa, mas com algum balanço nas pontas. A cabeleireira estava inspirada, e ficou tudo ótimo, achou que valeram os 30 reais que a moça cobrou. No caminho, lembrou que precisava de uma touca de banho nova, que comprou a 1.99, pois não queria que nenhum fiozinho de seu cabelo alisado fosse molhado pelo banho.

Antes de dormir, perfumou todas as peças de roupa que usaria no dia seguinte. E assim se passou a sexta feira, tarde e manhã.

Colocar o relógio pra despertar bem cedo, tomar banho usando o sabonete cremoso nívea; após, passar creme nívea cuidadosamente no corpo, preparar o rosto para a maquiagem, passar perfume, vestir a lingerie e as meias, começar lentamente a maquiagem, com tempo de sobra pra corrigir algum erro que nem houve, vestir o jeans e a blusinha da tal da cor nude e correr olhar o tempo e dizer graças a Deus que eu lavei a jaqueta, um lenço ajeitado de última hora que não estava na lista mas que ficou bom, verificar meticulosamente se todos os objetos estavam na bolsinha a saber: sombrinha pink, cartão de vale transporte, carteira de documentos, um lenço, o batom rosa e o gloss, um espelhinho e o estojo de pó. Colocar as pulseiras que ela gosta muito, e os dois únicos anéis de ouro que possui e que só usa em grandes ocasiões. Tudo isso foi um prazer, um deleite, ela me disse. A manhã estava tipicamente paulista, cinzenta ao ponto do agradável. O ônibus não poderia ter sido mais pontual. A viagem de metrô, agradabilíssima.

Tudo deu mais certo do que o esperado, e foi assim que ela chegou à manhã de sábado, ao endereço que trazia mais do que decorado na cabeça.

Ela me contou que quando chegou em casa no sábado à tarde, embrulhou a blusinha no lenço perfumado, e que não teria coragem de usar essas duas peças nunca mais.No resto do sábado ela descansou.

lembranças e saudades que guardava como tesouros




Ela o esperaria até o fim da sua vida. Sabia que essa espera teria outros nomes: impotência, resignação, solidão. Mas ela preferia chamar de fé.

Ela sabia também que era linda a sua história. Gostava dessa espera, não a tinha por vazia. Que companhia era melhor que o sonho?

Era feliz também por ter ganhado muitos presentes, todos intangíveis, que nunca poderiam ser levados de volta. Seriam seus para sempre.

E se cada nova manhã lhe trazia a possibilidade ainda que remota de vê-lo ou ouvi-lo, então ela era muito feliz.

Todas as possibilidades estão presentes num novo dia, ela pensava. – Então minha história está repleta de você.

Trocaria de vida com alguém mais feliz? Pensa que não. Ela não teria as lembranças e saudades que guardava como tesouros.

pena que Jesus não está aqui pra almoçar comigo



"Jesus virando-se em meio à multidão, inquiriu: “Quem tocou em meu manto?" S.Marcos.

No mesmo momento, ao sentir que do seu interior fora liberado poder, Jesus virando-se em meio à multidão, inquiriu: Quem tocou em meu manto?

“Minha filha, a tua fé te salvou! Vai-te em paz e estejas liberta do teu sofrimento”.

Men-tirinhas. Acho que hoje vamos de Mentirinhas novamente. Tirinhas de massa de pastel fritas em óleo bem quente. Com Amarula caseira.

(1 lata de leite condensado, 2 caixas de creme de leite, 1 medida (lata de leite condensado) de conhaque, 3 colheres cheias (sopa) de chocolate em pó.) No meu caso especial de sofrimento ortodôntico, 50 gotas de paracetamol não é opcional.

Talvez eu asse cebolas, batatas e linguiças. Talvez coma só as cebolas.

Um dia quero preparar o coelho que Pilar fez para os homens em Por quem os sinos dobram, de Hemingway. Cozido com cebolas e pimentões verdes, e ervilhas em molho de vinho tinto. Para comer acompanhado de pão e vinho.

Ou o desjejum que Scarlet O'Hara não queria: broinhas de fubá molhadas no caldo de presunto, com batatas doces.

O que eu tenho vontade de experimentar mesmo é Hidromel. Mas aí teria que ser a dois, aquela coisa velas acesas e aquele perfume que guardo só para momentos perturbadores.

Voltando a Pilar, cozinhar para homens em meio a uma guerrilha devia ser bom demais. Ela cozinhava e instruía Maria em coisas de amor. E isso numa caverna nas montanhas!

Mas chega de pensar. Vou cuidar de meu almoço em paz, minha fé me salvou, estou liberta do meu sofrimento. Pena que Jesus não está aqui pra almoçar comigo.