Era
o dia do encontro e não havia batom. Mas havia beterrabas, morangos e mel. Dessa
feliz combinação seguramente sairia algo que embelezasse e perfumasse meus
lábios, o que com um pincelzinho fino eu consegui. Ideia! E se eu embelezasse e
perfumasse também a minha flor? Sim, eu sei, ninguém mais chama de flor, mas isto
é um diário, melhor me precaver de alguma tia velha, minha flor, isso, assim
está bom, e foi o que fiz, mas sem ajuda de nenhum pincelzinho, é claro. Com as
mãos. Que ficaram impregnadas e perfumadas dessa feliz mistura. Sem problemas,
para isso existem meus grossos fios de cabelo. Os romanos não limpavam as mãos
sujas de comida nos cabelos dos escravos? Eca. Mas ao contrário das mãos dos
imperadores, minha mão estava deliciosamente impregnada de mim, o que fez um
enorme bem também aos meus cabelos. Fui.
O
local do encontro era longe, mas fui ao encontro dele caminhando, em parte
porque era cedo, e em parte porque queria ter mais coisas para contar. Penso melhor
quando caminho. E dei justamente de pensar que aquele cosmético improvisado,
ele sim, era minha vestimenta. O jeans, a camiseta, o sapatinho de plástico e a
jaqueta descolada da qual eu tanto me orgulhava eram perecíveis, iriam um dia dar
no mundo das coisas perdidas, mas aquele perfume era eterno. Vinha da terra,
das abelhas e de mim, eram de Deus, portanto. Não sabia se daria conta de dizer
isso a ele, creio que não, teria vergonha, ele ia me achar mais pueril do que
já me achava. Pensando bem, nem sei se daria a conta da ideia do improviso do
batom.
Você
cheira bem ele disse, ao me dar o selinho de sempre, o selinho inicial, eu
sabia, era o nosso jeito. E eu dei aquela reviradinha de olhar que ele não
entendeu, mas eu sim, e que significava aguarde pelo melhor.
O
melhor não houve, pois o que eu não sabia, ele sim, era que aquele era um dia
de despedida. Ele também viera caminhando, mas ensaiando o discurso de adeus,
isso ele não disse. Mas era um discurso muito alinhavado para não ter sido
ensaiado umas quatro vezes, no mínimo. Ele citou até personagem de filme, me
remeteu a livros clássicos!...
E
assim o adeus aconteceu, e eu não vou deitar aqui os detalhes porque não quero
borrar de lágrimas o meu querido diário. Os detalhes são os de sempre, e sempre
terminam com um a gente se vê por aí.
Agora
estou aqui com o potinho onde coloquei o que restou da mistura que embelezou
meus lábios e minha flor, inúteis já, e eu falo da mistura, dos lábios e da
flor. Mas como minha única ocupação é pensar, resolvi que vou pensar escrevendo
até acabar este caderno, e quando acabar este, vou comprar outro, e outro, e
mais outro, a ponto de a minha família, preocupada, chamar os homens de branco
pra me levar. Não tenho outro destino, minha vida não tem outra função.
Frutos
da terra e mel de abelhas, somados ao perfume da minha flor nos meus cabelos
não deram conta de segurar o homem que eu amo. Reavaliando a frase, quem não
deu conta fui eu, o cosmético foi recurso de última hora, romântico mais foi. Numa
outra pegada ele teria entendido mas... já era tarde...
Sendo
assim querido diário, vou impregnar de recursos perdidos meus cadernos da tilibra,
mas na forma de poesia, lamento e dor. Até que alguém venha me buscar. Nem que
sejam os homens de branco, com aquela vestimenta branca de acalmar quem não
conseguiu se acalmar por si mesmo nesta triste vida.