Fonoaudióloga.
Foi assim que conheci o fanho do Jê. Que deixou de ser fanho graças a mim e ao
bom Deus; tenho fé no meu trabalho, mas, na dúvida se Deus existe ou não, faço
o sinal da cruz sempre antes de chamar cliente novo pra sala. Fiz pro Jê, mas
foi de agradecimento ao divino, ô homem lindo Senhor do céu e da terra, ó, não
preciso nem de sua ajuda pra esse aí não, tá? Com ele dá pra ir de boa,
brincadeirinha Deus, e rodava nas mãos delicadamente meus elegantes anéis, exibindo
mãos perfumadas a creme nívea sem nenhuma aliança, sua idade Jeremias?
Vou
pular toda essa parte. Houve flerte, namoro, ficância e fornicância, e foi tudo
muito bom, principalmente a fornicância, de onde puxei essa palavra antiga? Das
freiras do colégio? Arre! Mas o Jê
voltou para sua terra natal, claro que eu não fui. Não deixo a capital por nada
nesse mundo, mentira, ele não me chamou. Voltou pra alguma prima, ou pra sua
solidão de macho que se vira muito bem por aí com aquela beleza toda. Homem que
é homem não precisa nem de mulher essa frase é minha mesmo.
Mas
como não quero tomar seu tempo vou contar como foi a esnobação: primeiro, uma
letra de música sugerida pelo eme esse ene. Fui conferir, cantor escocês, letra
idem, bonita a canção, mas já era esnobação de quem sabe que só curto chico,
gil, caetano, zé ramalho e chitãozinho e xororó, ou melhor, brasileiros, porque
entendo. Depois, a sugestão de um autor.
Fui conferir, mas a obra do cara é vasta pra caramba, e a maioria em inglês que
não leio, e não vou sair me endividando em curso e livros. E não vou ficar
catando frases no gúgol, não tem nada mais chato do que frases recortadas de um
conto que a gente não leu. Finalmente, que eu não deixasse de ler a história de
vida de uma fulana aí, que só não acabou no irajá porque não era a greta garbo
do fernando melo, mas uma história complicada que até me ofendeu, pô, esse cara
me vê assim?!
É
por isso que estou fazendo as malas e me mudando para o Favelão do Prata,
comunidade, conserta minha dentista, pois estou em plena boca aberta passando a
decisão para ela, que além de dentista é minha melhor amiga, conserta minha
boca e minhas ideias também. Não diz favela que o povo se ofende, está certo, é
comunidade mesmo, decerto Deus já voltou e está faz tempo morando ora numa ora
noutra, verdadeiros paraísos, não conheço povo mais resolvido do que povo de
comunidade.
Lá
a coisa funciona assim: Chega o cara, conhece a mulher, ela com três filhos.
Mulher de comunidade sempre tem filhos, a maioria de pais diferentes, está
certa ela, empresta o útero para vários tipos de genética, e ama a todos,
igualzinho. Ele sabe da frase quem beija
meu filho adoça minha boca, então brinca de valentias de time de futebol com o
mais velho, dá devedê pro do meio, pra menina ele só faz um oi, porque menina tem
de respeitar.
Um
dia assim do nada ele pega uma conta da geladeira e paga. Em outro ele traz uma
pizza. Num final de semana chega com uma picanha, linguicinhas e asinhas de
frango e ameaça um churrasco, não tem churrasqueira, que pena, por isso não,
vamos ao hiper, a gente parcela, te ajudo a pagar...
Começou
aí. A toalha vai ao chão quando ele deixa uma camiseta suja, sem problemas, eu bato
na máquina, amanhã você pega. E bate a toalha também, que ele realmente jogou no chão. Quando roupas de um homem e uma mulher rodam na
mesma máquina de lavar, já era, o caso começou.
E
não pense que não rola briga porque rola sim, um dia é a conta que ele ou ela se
esqueceram de pagar, ou a moleza que ele dá no serviço de faltar toda segunda
feira por conta do futebol, ou as camisetas do mais velho que ele já pega sem
pedir licença, mas as brigas também acabam, a maioria resolvida em nhem-nhém, e
abaixa a cortina aí, a menina pode acordar, ele atende, todo responsa, menina
tem de respeitar. E a vida segue, ô se segue.
Tem,
claro, algum desajuste, vai que um dia ele pá, na cara dela, só que mulher
inteligente hoje não apanha mais não, ela pega e pá na cara dele também, e fica
pianinho tá, que te jogo uma maria da penha. O cara fica todo murchinho, porque
maria da penha impede emprego de segurança, justamente o bico que ele dá entre
uma carteira assinada e outra porque emprego é coisa que o povo perde muito.
E
que perguntasse se a gente está precisando de alguma coisa, que pegasse uma
continha da gente pra pagar, sabe? alguma continha do finzinho da relação? que
isso é delicadeza e mulher gosta. Mas ah, me poupe! Letra de música escocesa,
autor russo?! Vá se catar!