autor russo?! vá se catar!

Olá, eu sou a Jô, e venho contar como foi que o Jê terminou comigo, é muito simples, terminou esnobando cultura, não fosse eu uma amante de livros. Tudo bem que livros nacionais, melhor dizendo, li alguma coisa escrita não só aqui, mas também nesse mundo de Deus, mas traduzido, porque trabalho desde sempre e nunca aprendi idioma nenhum, até que leio bem em italiano e espanhol, mas só. Mas o que quero dizer é que não sou exatamente assim uma anta, e entendo perfeitamente um olá, sabe, seguinte cara, não te amo. Não do jeito que você me ama, te amo só um pouquinho, o outro pouquinho quero ficar só, e não é que eu entendia? Porque também sou assim. Quem disse pra esse imbecil que eu queria casar, botar apê, pendurar contas em geladeira e procriar? Sou preguiçosa, adoro não fazer nada.

 

Fonoaudióloga. Foi assim que conheci o fanho do Jê. Que deixou de ser fanho graças a mim e ao bom Deus; tenho fé no meu trabalho, mas, na dúvida se Deus existe ou não, faço o sinal da cruz sempre antes de chamar cliente novo pra sala. Fiz pro Jê, mas foi de agradecimento ao divino, ô homem lindo Senhor do céu e da terra, ó, não preciso nem de sua ajuda pra esse aí não, tá? Com ele dá pra ir de boa, brincadeirinha Deus, e rodava nas mãos delicadamente meus elegantes anéis, exibindo mãos perfumadas a creme nívea sem nenhuma aliança, sua idade Jeremias?

 

Vou pular toda essa parte. Houve flerte, namoro, ficância e fornicância, e foi tudo muito bom, principalmente a fornicância, de onde puxei essa palavra antiga? Das freiras do colégio? Arre!  Mas o Jê voltou para sua terra natal, claro que eu não fui. Não deixo a capital por nada nesse mundo, mentira, ele não me chamou. Voltou pra alguma prima, ou pra sua solidão de macho que se vira muito bem por aí com aquela beleza toda. Homem que é homem não precisa nem de mulher essa frase é minha mesmo.

 

Mas como não quero tomar seu tempo vou contar como foi a esnobação: primeiro, uma letra de música sugerida pelo eme esse ene. Fui conferir, cantor escocês, letra idem, bonita a canção, mas já era esnobação de quem sabe que só curto chico, gil, caetano, zé ramalho e chitãozinho e xororó, ou melhor, brasileiros, porque entendo.  Depois, a sugestão de um autor. Fui conferir, mas a obra do cara é vasta pra caramba, e a maioria em inglês que não leio, e não vou sair me endividando em curso e livros. E não vou ficar catando frases no gúgol, não tem nada mais chato do que frases recortadas de um conto que a gente não leu. Finalmente, que eu não deixasse de ler a história de vida de uma fulana aí, que só não acabou no irajá porque não era a greta garbo do fernando melo, mas uma história complicada que até me ofendeu, pô, esse cara me vê assim?!

 

É por isso que estou fazendo as malas e me mudando para o Favelão do Prata, comunidade, conserta minha dentista, pois estou em plena boca aberta passando a decisão para ela, que além de dentista é minha melhor amiga, conserta minha boca e minhas ideias também. Não diz favela que o povo se ofende, está certo, é comunidade mesmo, decerto Deus já voltou e está faz tempo morando ora numa ora noutra, verdadeiros paraísos, não conheço povo mais resolvido do que povo de comunidade.

 

Lá a coisa funciona assim: Chega o cara, conhece a mulher, ela com três filhos. Mulher de comunidade sempre tem filhos, a maioria de pais diferentes, está certa ela, empresta o útero para vários tipos de genética, e ama a todos, igualzinho.  Ele sabe da frase quem beija meu filho adoça minha boca, então brinca de valentias de time de futebol com o mais velho, dá devedê pro do meio, pra menina ele só faz um oi, porque menina tem de respeitar.

 

Um dia assim do nada ele pega uma conta da geladeira e paga. Em outro ele traz uma pizza. Num final de semana chega com uma picanha, linguicinhas e asinhas de frango e ameaça um churrasco, não tem churrasqueira, que pena, por isso não, vamos ao hiper, a gente parcela, te ajudo a pagar...

 

Começou aí. A toalha vai ao chão quando ele deixa uma camiseta suja, sem problemas, eu bato na máquina, amanhã você pega. E bate a toalha também, que ele realmente jogou no chão. Quando roupas de um homem e uma mulher rodam na mesma máquina de lavar, já era, o caso começou.

 

E não pense que não rola briga porque rola sim, um dia é a conta que ele ou ela se esqueceram de pagar, ou a moleza que ele dá no serviço de faltar toda segunda feira por conta do futebol, ou as camisetas do mais velho que ele já pega sem pedir licença, mas as brigas também acabam, a maioria resolvida em nhem-nhém, e abaixa a cortina aí, a menina pode acordar, ele atende, todo responsa, menina tem de respeitar. E a vida segue, ô se segue.

 

Tem, claro, algum desajuste, vai que um dia ele pá, na cara dela, só que mulher inteligente hoje não apanha mais não, ela pega e pá na cara dele também, e fica pianinho tá, que te jogo uma maria da penha. O cara fica todo murchinho, porque maria da penha impede emprego de segurança, justamente o bico que ele dá entre uma carteira assinada e outra porque emprego é coisa que o povo perde muito.

 
Um dia ela pode botar ele pra fora, por se cansar de suas folgadezas, ou por estar de paixão por outro. E tudo acaba assim, com alguma briga de permeio, talvez um último beijo, cheirando a cerveja e bafejado de fumaça do churrasco da laje vizinha, e fim, que esta explicação ficou longa demais.

 
O que quero dizer é que gente de comunidade leva vida muito mais interessante, eles sim os chiques. Nós, os do eme-esse-ene, dos feicebuques e tantas milongas mais, ficamos postando fotinhos debaixo de frases feitas por escoceses, tailandeses, siameses, o diabaquatro, sabe, usando frase da cabeça dos outros porque não temos a nossa, e não temos a simplicidade de tocar a campainha da casa de um ser humano – UM SER HUMANO – e dizer: vim até aqui, combustível, avião, pernoite, o escambal, você merece, mas vim até aqui pra te dizer olhando nos seus olhos que não te amo, ou que amo outra, ou que não amo ninguém, que não espere nada de mim, não vai rolar, e sem essa da frase manjada não é por mim, é por você, que essa aí não enganou nem minha avó. Canta a letra: Não te amo e nem quero tentar.

 

E que perguntasse se a gente está precisando de alguma coisa, que pegasse uma continha da gente pra pagar, sabe? alguma continha do finzinho da relação? que isso é delicadeza e mulher gosta. Mas ah, me poupe! Letra de música escocesa, autor russo?! Vá se catar!